À beira da escolha de alguns, poucos e sem grande relevo, deputados portugueses para lidarem com as decisões que os grandes grupos políticos e sobretudo os económicos europeus irão impor aos países da União Europeia no novo quadro do Parlamento eleito por estes dias, cumpro o meu tempo de reflexão e aguardo com sábia impaciência os novos tempos que, temo, irão transformar a Europa, provavelmente, retirando-lhe força e oferecendo-a a radicais e a populistas insanos que não amam o chão que pisam e desdenham os seres com que se cruzam todos os dias e sem os quais não seriam nada.
Muitos dos nossos sonhos mais legítimos serão abandonados se eles triunfarem ou, com a sua fraqueza transformada em raiva, se nos enfrentarem e perseguirem – pois a força dessas forças irá impor outros atrativos que retirarem das campas, do fundo das velhas trincheiras e dos arquivos do ódio para reabilitarem a Europa do caos, da morte e da destruição que a História escondia num armário de vergonha.
Os netos dos assassinos têm ganho força – até em Portugal há uns caricatos que falam a língua do populismo e ameaçando com cenários de medo e brandindo sorrisos e selfies vão ganhando terreno no lamaçal que os seus antepassados temperaram com sangue inocente. A máscara caiu e já todos os partidos de direita põem o dedo no ar reclamando quão mais à direita querem ser diante dos que podem eventualmente fazer-lhes sombra. Eu sou mais conservador do que tu, eu sou mais autoritário que aquele além, eu capoto melhor na estrada se levar o volante do País nas mãos que tremem.
Fazemos do nosso trabalho quotidiano um ensaio. Isto é, um trabalho que se expõe de forma a evidenciar ideias, críticas e reflexões éticas e filosóficas sobre o tema que nos propusemos entender: os lugares de cultura, a forma como evoluem (tema particularizado num exemplo: as eleições “europeias”), que mundo nos oferece e o que nos reserva. Isso significa que percorremos terreno minado. E como a cultura nem sequer aparece nas campanhas a que assistimos, nenhum dos candidatos lhe reserva lugar interessante, é fácil perceber que ninguém se preocupa com a construção de um tempo novo e sólido, mas sim com a dor intensa de retirar aos povos a consciência de si e da sua capacidade criativa.
Mais do que a economia, é a cultura que transforma os territórios – nomeadamente nesse lugar que a cultura pode gerar para um mundo sustentável.
Não é de estranhar portanto que o que escrevemos se mostre influenciado por ideias como “ambivalência” ou “paisagem de ansiedade”, como carências, deformações e incompreensões, a importância de ações que nos levaram até visões aprofundadas da homogeneização da cultura de massas, da função da cultura no tempo de hoje e no que se lhe seguirá, na estruturação do Estado-Nação e da construção de identidades e sistemas doutrinários e no que os indivíduos podem ditar nessas complexidades.
A importância da cultura – e nela necessariamente o património para o desenvolvimento sustentável (desempenhando um papel fundamental na construção da paz, na construção de processos de reconciliação, no estabelecimento de pontes de diálogo e cooperação) é o ponto de partida e de chegada deste meu texto, deste meu período de reflexão. Gostava que a Europa percebesse que é na cultura que se joga a sua sobrevivência – e que os universos culturais dos europeus, estão longe de ser uma mancha homogénea, tem pontos comuns que podem equivaler à sua continuidade.
Alexandre Honrado
Historiador
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